16 de dezembro de 2019

Geração de trabalho e renda: especialista aposta em combinação de reformas estruturais com políticas de incentivo ao empreendedorismo

Conversamos com a fundadora da Rede Papel Solidário sobre o cenário atual de desafios e os possíveis caminhos para o enfrentamento das desigualdades no acesso a trabalho e renda.

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Um dos maiores desafios para a transformação social é a inclusão de pessoas no mundo de trabalho e renda. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego do Brasil fechou o terceiro trimestre em 11,8%, com aumento no número de pessoas ocupadas, porém em um mercado de trabalho marcado por novo recorde de informalidade. São 12,5 milhões de desempregados, 11,8 milhões de pessoas empregadas sem carteira e 24,4 milhões de trabalhadores por conta própria.

Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em julho deste ano, abrangendo 189 países, mostra que os 10% mais ricos continuam recebendo quase 50% de toda a renda gerada pelo trabalho enquanto os 10% mais pobres receberam 0,15% da renda. Se considerarmos a fatia dos 50% mais pobres, a renda ainda é muito pequena, representando apenas 6,4% do total.

Não à toa, o tema da Geração de Trabalho e Renda é dedicado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8: “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”. Já o ODS 10, ao qual é alinhada a estratégia de atuação do Instituto Alcoa, busca “Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles”.

Nesse sentido, o investimento social privado vem atuando, nos últimos anos, na mobilização, articulação, desenvolvimento e gestão de ações sustentáveis de inclusão social com o objetivo de contribuir para a promoção da cidadania no país. Segundo a mais recente edição do Censo GIFE, o tema “Trabalho, empreendedorismo e geração de renda” é o segundo em que mais atuam os investidores sociais (50%).

Em consonância com essa tendência e em resposta ao desafio de estimular o protagonismo das comunidades dos territórios em que a Alcoa está presente, o Instituto Alcoa definiu, no último ano, a frente de Geração de Trabalho e Renda como um de seus focos de atuação.

Para ampliar o debate sobre os desafios e oportunidades postos para o próximo período no que se refere ao assunto, entrevistamos Leila Novak, empreendedora social, fellow da Ashoka, especialista em gestão e captação de recursos de associações sem fins lucrativos e fundadora e mentora da Rede Papel Solidário. Criada em 2006, a iniciativa atua no fomento ao campo da sociedade civil e do impacto com vistas ao fortalecimento institucional e à sustentabilidade financeira das organizações.

Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Instituto Alcoa - Dados divulgados pelo IBGE em outubro deste ano apontam que a concentração de renda voltou a piorar – o índice que mede a concentração e a desigualdade de renda foi o maior da série histórica iniciada em 2012. Os números do IBGE também mostram que o rendimento médio do grupo de 1% mais ricos do país cresceu 8,4% em 2018, enquanto o dos 5% mais pobres caiu 3,2%. Com o resultado, a renda da elite econômica do país corresponde a 33,8 vezes o rendimento dos 50% que integram a população de menor rendimento. Frente a essa realidade, em sua opinião, quais são os desafios prioritários no tema da Geração de Trabalho e Renda?

Leila Novak - É de amplo conhecimento público que o grande sonho das pessoas é ter acesso ao trabalho com garantias sociais plenas e esse deve ser o papel preponderante de políticas públicas eficazes. Os programas de geração de trabalho e renda são uma estratégia alternativa ao emprego formal e assalariado considerando pontos como autogestão, economia criativa e empreendedorismo. Contudo, sabemos, não é a única solução para o problema do desemprego, que afeta uma grande camada da população pobre do país.

Acredito que é necessário investir também em incentivo e condições para a formação profissional e, ainda, melhorar a oferta de políticas voltadas às oportunidades de ocupação autônoma, trabalho cooperado e iniciativas de economia solidária, entre outras medidas que são, sim, alternativas viáveis para algumas pessoas que acreditam e optam por elas. Mas sem a imposição de ser essa a alternativa para sobrevivência.

IA - Qual é o papel da pesquisa e da evidência científica na promoção da inclusão e do desenvolvimento socioeconômico?

Leila Novak - Os pesquisadores têm um papel fundamental na produção e disseminação de informação e fomento à produção em rede de estudos e pesquisas sobre os temas da inclusão e do desenvolvimento sustentável, com vistas a influenciar políticas públicas nas três esferas de governo.

Como a inovação é o fator preponderante para avanços nesses temas, as universidades estão sendo parceiras, em especial, na última década, quando o Brasil vem discutindo e implementando negócios de impacto socioambiental em larga escala. Ainda precisamos avançar para alavancar mais conexões entre o setor acadêmico, o setor governamental e a sociedade civil organizada.

IA - Em sua opinião, como o setor do investimento social privado pode aprimorar ainda mais sua atuação na direção de responder aos principais desafios relacionados a essa agenda no atual contexto do país?

Leila Novak - Acredito que existem muitas experiências exitosas na relação entre o setor privado e as organizações da sociedade civil, tanto organizadas por empreendedores sociais, como também em redes e organizações de apoio e fomento que atuam com comunidades fortalecendo determinados territórios em conjunto com o governo. Mas ainda existe uma distância entre o investimento social privado e as associações de apoio e fomento, apesar de sentir que, nos últimos anos, essa distância vem diminuindo. Precisamos aprimorar esse diálogo para avançar.

IA - Quais são os maiores desafios na atuação de grupos produtivos como cooperativas e associações? Nossas políticas públicas têm apoiado pequenos produtores, o cooperativismo e o associativismo? Onde ainda precisamos avançar?

Leila Novak - Aqui no Brasil, precisamos avançar para simplificar as leis que regem as cooperativas e as associações sem fins lucrativos. Para a constituição e manutenção da documentação exigida de uma cooperativa ou de uma associação sem fins lucrativos é preciso apoio jurídico e contábil especializado e a maioria desses grupos produtivos acaba na informalidade por falta de recursos para arcar com profissionais dessas áreas. Para se ter uma ideia dessa demanda, apenas no ano de 2019, a Rede Papel Solidário recebeu solicitação online de aproximadamente 1.200 grupos informais de todas as partes do Brasil para apoio gratuito na constituição jurídica e em serviços contábeis. Existe muito pouco investimento social privado voltado a esse tipo de serviço tão necessário para o crescimento dos grupos informais e isso precisa ser colocado em pauta pelas empresas e, acima de tudo, por legisladores no que se refere à aprovação de leis que possam simplificar a formalização desses grupos. Somente dessa forma poderão alcançar um patamar de desenvolvimento e consequente autonomia financeira.

IA - Que experiências de seu conhecimento criadas e/ou implementadas por um ou mais desses setores poderiam ser escaladas ou servir de inspiração para outras iniciativas?

Leila Novak - Dentro do setor social existe uma iniciativa da periferia que está dando bons resultados e pode servir de inspiração para muitos. Trata-se da produtora A Banca. Seu fundador, o DJ Bola, está à frente da Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP), cujo objetivo é apoiar uma nova geração de empreendedores da periferia, fortalecendo seus modelos de negócio e aumentando seu impacto social, em um ambiente que transforma os empreendedores em protagonistas no desenvolvimento de soluções sociais, ambientais e financeiras do país. Vale à pena conhecer melhor essa experiência que vem demonstrando que é possível mudar a realidade das pessoas com muita dedicação, trabalho, respeito às diferenças e, acima de tudo, paixão pelo que faz.

IA - Quais são os desafios para a inserção de jovens no mundo do trabalho? Em sua opinião, as organizações da sociedade civil e os institutos e fundações empresariais têm trazido oportunidades em programas e projetos de empreendedorismo e qualificação profissional que dialoguem com os desejos desse público?

Leila Novak - Sabemos que é nessa faixa etária que se encontram os piores índices de desemprego, evasão escolar, falta de formação profissional, número de mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com a criminalidade. As dificuldades mais comuns enfrentadas pelos jovens para conseguirem emprego são falta de experiência e de formação, discriminação por residirem em comunidades de assentamentos precários, entre outras. A esses obstáculos se somam outros relacionados ao avanço tecnológico, dificilmente acompanhado pelas camadas de baixa renda de forma que possam aproveitar as oportunidades e se inserir no mercado do trabalho, uma vez que a incorporação de novas tecnologias no processo produtivo e de novos produtos requer uma força de trabalho apta a aprender e a desenvolver novas técnicas.

Diante disso, podemos afirmar que o principal motivo para o não acesso ao trabalho e à renda por essa parcela da população está relacionado à educação. Assim, o baixo nível de escolaridade é um dos fatores determinantes para a elevada taxa de desocupação entre os jovens. A meu ver, existem muitas organizações da sociedade civil, institutos e fundações empresariais atuando para melhorar a qualidade do ensino no Brasil e me parece que estão no caminho certo. Projetos complementares que incentivam a cultura das novas tecnologias e o trabalho criativo, propiciando um ambiente de autonomia e empreendedorismo, estão de acordo com os anseios dessas novas gerações e precisam ser implementados em larga escala, principalmente nas áreas de maior vulnerabilidade social.